História Global do Direito ao Rés-do-Chão: Processos Judiciais em Arquivos Africanos
Projecto completo
A África costuma estar ausente dos debates no campo da História Global do Direito. Porém, a participação de populações africanas nos processos de produção normativa – inclusive, produção normativa colonial – era intensa e complexa. As várias facetas da participação de sujeitos históricos africanos nos processos de produção normativa ainda são pouco analisadas na História Global do Direito, em geral, e na história dos impérios ibéricos, em particular. Se é verdade que concepções europeias de direito foram disseminadas e impostas em diferentes regiões do mundo durante o período colonial, não devemos simplesmente assumir que elas eram o único ou o mais importante arcabouço normativo presente nas sociedades e tribunais coloniais. Houve instâncias em que a agência de populações locais, com seus entendimentos vernaculares de direito e justiça, assim como sistemas jurídicos não-europeus tiveram papel central no cotidiano da produção normativa. Pesquisar em arquivos locais, com documentos produzidos localmente, como, por exemplo, os processos judiciais, pode ser um método para superar esse ponto cego da historiografia.
Alguns tipos de documentos evidenciam, mais que outros, a complexa dinâmica da produção normativa. Processos judiciais são bastante privilegiados nesse sentido, uma vez que mostram o engajamento de populações locais na disputa pelos significados concretos das normas e categorias jurídicas. Eles também nos permitem entender melhor como diferentes sistemas normativos interagiram para moldar o direito e a resolução de conflitos em sociedades coloniais. Ao fazer História Global do Direito, é essencial pesquisar em arquivos locais, que possuem acervos documentais, como processos judiciais, que podem melhor elucidar a participação de sujeitos históricos não-europeus na produção normativa.
Os processos judiciais são abundantes em arquivos da África lusófona. Apesar da riqueza dessas coleções, em alguns casos, os documentos não estão organizados ou identificados, o que dificulta sua consulta. Por isso, o presente projeto tem como objetivo colaborar com arquivos locais na identificação, preservação, organização e catalogação de coleções de processos judiciais. Além da organização dessas coleções e publicação de instrumentos de pesquisa que possibilitem seu uso pela comunidade acadêmica, o projeto visa a promover pesquisas baseadas na análise desses documentos, de modo a contribuir para o desenvolvimento de novas perspectivas para a História Global do Direito a partir do ponto de vista da produção normativa cotidiana.
O antecedente deste projeto foi a cooperação entre Mariana Dias Paes (MPIeR), Mariana Candido (Emory University) e Juelma de Matos Ñgala (Universidade Katyavala Bwila/MPIeR), que resultou na organização e produção de um inventário de parte da coleção de processos judiciais do Tribunal da Comarca de Benguela. Essa coleção é composta por 2.034 processos judiciais ajuizados entre 1850 e 1945, na região sul de Angola. Uma introdução à história do direito angolano e um inventário dos documentos será publicada, em 2021, na série Global Perspectives on Legal History.
Atualmente, o projeto História Global do Direito ao Rés-do-Chão compreende duas iniciativas principais. Em parceria com José Évora (Arquivo Nacional de Cabo Verde), a coleção de processos judiciais do Arquivo Nacional de Cabo Verde está sendo inventariada. Esse inventário, acompanhado de uma introdução à história do direito cabo-verdiano, será publicado em 2022.
Na Guiné-Bissau, o projeto está a cargo da identificação, restauração e organização da coleção de processos judiciais dos Arquivos Históricos Nacionais. O próximo passo será a preparação de um inventário e sua subsequente publicação.
Outras iniciativas do projeto são:
- preparação de um bibliografia sobre processos judiciais nos impérios ibéricos
- produção de um curso online sobre processos judiciais nos impérios ibéricos
- preparação de um guia para a pesquisa em processos judiciais em arquivos da África lusófona, em coautoria com Fernanda Thomaz (Universidade Federal de Juiz de Fora)
- realização de entrevistas com pesquisadores experientes na análise de processos judiciais dos impérios ibéricos
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